*Classe média*
Notícias de hoje, 17/04/21, dão conta de que a classe média diminuiu - e não foi pouco - no último ano, no Brasil.
Quando as "reformas" trabalhista e previdenciária vieram, já dizíamos de um projeto de empobrecimento da classe média. A pretendida reforma administrativa seguirá o mesmo projeto, sendo mais uma peça nesse xadrez, atingindo especialmente a camada mais empobrecida do serviço público.
Na verdade, o projeto é de uma espécie de estratificação mais intensa e clara da sociedade brasileira, já marcadamente desigual, basicamente dividindo o país entre pobres e ricos.
Sempre haverá aqueles que ficarão no meio do caminho, nem lá nem cá. Estes, porém, estarão - aos olhos dos pobres, muito pobres e miseráveis - mais próximos dos ricos. E, de fato, analisando parte da postura política e social, depreende-se que a classe média se associa mesmo muito mais à pauta da elite que à da pobreza, e, não raro, que à sua mesma.
A riqueza, mundo afora e no Brasil em especial, já vinha se acumulando de forma mais intensa desde a crise de 2008. Aqui, porém, houve ainda um período de certa contenção via políticas sociais de distribuição de renda e inclusão social. A pandemia apenas piorou o que já era muito ruim.
Trocando em miúdos, enriquecimento dos ricos e empobrecimento dos pobres e médios significa apenas a ampliação da desigualdade, do abismo social.
Talvez a classe média entenda ou passe a entender sua condição, embora essa coisa (classe média) seja por demais elástica nos padrões brasileiros, composta por famílias cuja renda por membro varia de R$ 667,87 a R$ 3.755,76 por mês. Talvez entenda que vive do que produz cotidianamente, do esforço do trabalho e não de rendas ou dividendos, que, para usar o ainda útil conceito marxista, não é dona dos meios de produção, mas da força de trabalho (o que se aplica a pequenos empreendedores - favor não incluir no conceito entregadores e motoristas de aplicativos, que são subempregados em alto nível de precarização, lutadores pela sobrevivência num cenário em que emprego formal com garantias e direitos lhes falta).
Quando a classe média entender que não é elite e que suas lutas se aproximam muito mais daquelas dos trabalhadores e cidadãos pobres, a coisa mude.
Ainda que seja legítimo almejar a riqueza, é, no mínimo, discutível a legitimidade de mimetizar os ricos, porque mais os favorece que a si mesma.
Quem sabe, caso as necessárias reflexões e inflexões ocorram, tenhamos melhor destino, porque a coisa (classe média) ajudará a pressionar por políticas públicas que objetivem a oferta de mais e melhores serviços públicos, a construção de mais e mais sólidos direitos sociais, o investimento público no sentido de induzir investimentos privados, gerando emprego e renda, a redução das desigualdades pela valorização do trabalho e dos salários e a taxação das grandes fortunas como forma de equilibrar melhor a sociedade. Se parece haver pouco espaço, considerando as circunstâncias históricas, para o advento de um socialismo, ainda que repaginado, parece óbvia a necessidade urgentíssima por ações contundentes para reduzir desigualdades e reconstruir o sentido de cidadania, assentada no acesso a tudoo que represente dignidade de vida.
Sem isso, sem essa compreensão política de si mesma, a coisa (classe média) seguirá um tortuoso e pouco útil caminho de, por um lado, deslumbrar-se com a riqueza, mimentizando-se aos ricos e reproduzindo seus discursos, valores e ideologias, e, por outro, ignorar, desprezar e mesmo lutar contra as demandas dos pobres, pensando que são eles os seus reais inimigos, achando que são eles lhe sugam, quando a resposta a isto está na parte de cima da pirâmide, não na de baixo.
*Allysson Mustafa*
Professor
Coordenador Geral do SINPRO-BA e diretor da Contee
Classe média (na verdade, muito média; mais verdade, um dos tais que estão caminhando para estar abaixo disto)
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