Brasil, 8 de agosto de 2020. A marca das 100 mil mortes por Covid-19 foi alcançada. Famílias enlutadas, pessoas entristecidas pela dor da perda. Do meio de março, quando a primeira morte se deu entre nós, para cá, passaram-se menos de 5 meses, e o número de infectados e de mortos cresceu de forma vertiginosa. As mortes, no Brasil, não são causadas exatamente por um patógeno ao qual chamamos de “novo coronavírus”, mas por uma arma de destruição em massa, chamada Jair Messias Bolsonaro.
Neste momento em que escrevo sobre o que tanto já se escreveu, pessoas lamentam, mas, com pouca dúvida, receio que haja quem comemore, ainda que em silêncio, a marca alcançada. Talvez, quem sabe, no Palácio do Planalto, onde a primeira-dama convalesce da doença – e lida com as acusações de ser parte de um esquema de corrupção que envolve ela, Queiroz e sua esposa, a familícia Bolsonaro inteira e mais sabe-se lá quantos bandidos que os cercam, porque deles são parte –, o Messias às avessas sorria. Não seria estranho a uma mente doentia, uma
personalidade amoral, um ser abjeto como ele o é.
Era destruição o que o Messias prometia e anunciava. É destruição a única coisa que ele é capaz de entregar. Seus eleitores não podem alegar engano, porque ele nunca disse, fez ou foi diferente. Porque nunca prometeu qualquer coisa que se distancie disto. Eleitor-cúmplice, cuja
alegação de desencantamento com a política não poderá servir de escudo ou de remédio à consciência. Não era uma questão de negar a política, não era questão de direita ou esquerda.
Nunca foi. Havia outros candidatos no campo direitista. Havia, portanto, opções, mesmo a quem não queria a esquerda no poder. Era civilização e barbárie. O eleitor-cúmplice escolheu a barbárie e não poderá se comparar ao eleitor que escolhendo quem promete entregar algo de
bom, termina por entregar algo de ruim. Este último pode se dizer enganado e arrependido.
Aquele, o eleitor-cúmplice, jamais: ele escolheu quem prometia a desgraça e apenas a desgraça tem sido capaz de fazer.
Nos últimos mais de 60 dias, a média de mortes no Brasil é superior a mil pessoas por dia. Dos cem mil concidadãos mortos nestes quase 5 meses, cerca de 70% foram nos últimos dois meses, período em que estamos sem ministro da saúde, havendo um general a ocupar o lugar, de forma interina, que de tão interina já virou permanente. Um general: isso diz muito!
Nada nos indica que o cenário, num futuro próximo, será melhor. Pelo contrário. No entanto, nos últimos pouco mais de 30 dias, desde o início de julho, assistimos, Brasil afora, a chamada reabertura da economia. Empresários e governantes, muitos dos quais fazendo coro à falácia de
que a economia precisava ser retomada pois as coisas estavam se normalizando, elaboraram planos, protocolos e decidiram reabrir o que achavam importante. Neste mesmo período, cresce o discurso de que é preciso reabrir as escolas. Afinal, se tudo reabre, por que não as escolas?
Entre março e abril, houve imensa comoção no Brasil com as notícias diárias que nos chegavam da Itália. As redes sociais deram vazão a incontáveis manifestações de solidariedade pelo povo italiano, país que, à época, era epicentro da pandemia, com elevado número de mortes diárias.
Parte destas mesmas pessoas silencia sobre a tragédia-Brasil. Pior, não são tão raros os exemplos observados daqueles que se compadeceram pelos italianos, silenciam sobre o Brasil e, por vezes, apoiam a tal reabertura da economia por aqui, justo quando passamos dos 100 mil mortos e quando temos média diária superior a mil vidas perdidas. O brasileiro é mesmo um caso de estudo, mas não necessariamente de entendimento.
Como temos tanta gente morrendo diariamente, como rompemos a marca dos cem mil mortos, como não temos um presidente digno do nome, como temos um genocida no poder, como nem ministro da saúde temos, como temos a imensa capacidade de normalizar o absurdo, como temos a maestria em nos acostumarmos com a tragédia, como temos uma elasticidade moral absurda, como acreditamos que pistolinha-termômetro na portaria, máscara de pano com a logomarca da empresa e álcool em gel a cada metro nos protegerão, que tal juntar tudo isto e
comemorar reabrindo as escolas? Afinal, é o novo normal.
Eu levo a pipoca!
*Allysson Mustafa é professor de História, Coordenador Geral
do SINPRO-BA e membro da diretoria executiva da Contee.
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