A emenda 103/2019 unificava critérios de aposentadoria de policiais civis e federais para homens e mulheres, igualando idade, tempo de contribuição e serviço
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, suspendeu uma regra da reforma da Previdência de 2019 que unificava os critérios de idade mínima, tempo de contribuição e de serviço para aposentadoria de policiais civis e federais, aplicando-os de forma igual para homens e mulheres. A decisão, de caráter provisório, foi concedida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7727 e ainda precisa ser confirmada pelo Plenário do STF.
A ação foi movida pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol do Brasil), que questionou a expressão "para ambos os sexos" introduzida na Emenda Constitucional 103/2019. A norma estabelecia que policiais, independentemente do gênero, devem se aposentar aos 55 anos, com 30 anos de contribuição e 25 de efetivo exercício na carreira, sem distinção.
Mulher ficou em desvantagem
Para o ministro, a equiparação dos requisitos de aposentadoria entre homens e mulheres no setor policial contraria um princípio vigente desde a Constituição de 1988, que prevê condições distintas para promover a igualdade de gênero. Segundo ele, a Constituição autoriza a adoção de medidas que protejam as mulheres no mercado de trabalho, inclusive por meio de regras previdenciárias específicas.
Dino ressaltou que, embora a Emenda 103/2019 tenha mantido critérios diferenciados para outros servidores públicos, essa proteção não foi garantida às policiais femininas civis e federais, o que representa um retrocesso. A ausência de um redutor de tempo para mulheres na carreira policial segundo o magistrado, fere o modelo constitucional de igualdade de direitos.
Volta como era
A decisão liminar determina que, até que o Congresso Nacional edite uma nova norma para corrigir a inconstitucionalidade, será aplicada a regra geral que reduz em três anos os requisitos de aposentadoria para mulheres policiais civis e federais. Dino destacou que o Legislativo, ao revisar a legislação, deverá considerar as diferenciações que julgar necessárias, respeitando sua liberdade de atuação.
O ministro justificou a suspensão afirmando que a norma atual poderia gerar danos irreparáveis ao dificultar a aposentadoria das mulheres na carreira policial. A medida, portanto, visa proteger os direitos garantidos pela Constituição até que uma nova regulamentação seja aprovada. Até que isso aconteça, a redução de três anos nos requisitos de aposentadoria para mulheres será aplicada.
Histórico de direitos e desigualdade estrutural
A decisão de Flávio Dino reflete uma preocupação em preservar direitos historicamente assegurados às mulheres no serviço público. Ele lembrou que, ao longo dos anos, as regras diferenciadas de aposentadoria foram adotadas para criar condições mais equitativas no mercado de trabalho, reconhecendo diferenças estruturais que afetam as trajetórias profissionais de homens e mulheres.
"O STF tem entendido que a Constituição chancela a adoção de políticas que promovam a igualdade de gênero, e o tratamento diferenciado na aposentadoria é uma dessas políticas", afirmou o ministro. Segundo ele, ao não prever um redutor de tempo para mulheres policiais, a Reforma da Previdência de 2019 rompeu com um modelo estabelecido pela Constituição de 1988.
Argumentação jurídica da Adepol
A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol do Brasil), que apresentou a ação, argumentou que a uniformização dos critérios de aposentadoria ignora a realidade do trabalho policial, que demanda esforços físicos e emocionais distintos para homens e mulheres. Segundo a Adepol, a falta de diferenciação coloca as policiais em desvantagem, violando princípios constitucionais de proteção ao trabalho feminino.
A suspensão ainda será submetida ao Plenário do STF, que decidirá se mantém ou revoga a decisão de Dino. Até lá, a norma anterior à Reforma de 2019, que previa critérios diferenciados para mulheres na carreira policial, volta a vigorar.
Contexto da reforma previdenciária e reações da CUT
A Emenda Constitucional 103/2019, fruto da reforma da Previdência, começou no governo de Michel Temer em 2016 e foi concluída durante a gestão de Jair Bolsonaro, em novembro de 2019. As mudanças implementadas pela reforma geraram críticas, especialmente por impactarem diretamente as regras de aposentadorias e benefícios previdenciários.
Entre as principais alterações, a reforma extinguiu a possibilidade de aposentadoria por tempo de contribuição e alterou as pensões por morte, que deixaram de ser 100% do valor do benefício do trabalhador falecido.
Também foi revogada a comprovação de atividade rural via declaração sindical, afetando trabalhadores agrícolas.
A aposentadoria por incapacidade permanente, antes correspondente a 100% da média salarial, passou a ser de 60%, com acréscimo de 2% por ano adicional, exceto em casos de invalidez por acidente de trabalho. Além disso, o benefício para trabalhadores expostos a condições prejudiciais à saúde passou a exigir idade mínima.
Desde o início da tramitação da reforma, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) se mobilizou para contestar o que considerava justificativas equivocadas e para expor suas consequências. Em aliança com outras centrais sindicais e movimentos sociais, a CUT organizou ações de resistência, como a "Greve Geral contra a Reforma da Previdência" e o "Dia Nacional de Luta contra a Reforma da Previdência", além de pressionar o Congresso para tentar barrar as mudanças propostas.
Para a CUT, a reforma aprovada no governo Bolsonaro transferiu o peso dos problemas econômicos do país para a população mais pobre. Segundo a entidade, as novas regras falharam em reduzir desigualdades e não combateram privilégios, impactando desproporcionalmente os trabalhadores de menor renda.
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