O governo Lula pretende mexer em um dos principais pontos da reforma trabalhista e trazer de volta a contribuição sindical obrigatória para os trabalhadores. De acordo com a proposta do Ministério do Trabalho, a taxa seria vinculada a acordos de reajuste salarial entre patrões e empregados, que tenham intermediação sindical.
O texto está em processo avançado de discussão no governo e pode ser apresentado ao Congresso Nacional em setembro. O GLOBO teve acesso a uma minuta do projeto, editada pelas centrais sindicais, que fixa um teto para a nova taxa de até 1% do rendimento anual do trabalhador, a ser descontada na folha de pagamento.
Esse valor pode corresponder a até três dias e meio de trabalho, segundo especialistas. A quantia a ser paga, porém, seria definida em assembleias, com votações por maioria.
Desde novembro de 2017, quando entrou em vigor a reforma trabalhista, a contribuição para o sindicato passou a ser opcional. Antes, vigorava o imposto sindical, correspondente a um dia de trabalho, descontado anualmente.
Votação em assembleia
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, alega que o novo modelo é diferente do antigo imposto sindical. Mas argumenta que, sem arrecadação, não existe orçamento e os sindicatos enfraquecem.
— Não existe mais imposto sindical obrigatório. Mas uma democracia precisa ter um sindicato forte. O que está em debate é criar uma contribuição negociável. Se o sindicato está prestando um serviço, possibilitando um aumento salarial, é justo que o trabalhador não sindicalizado pague a contribuição. Se ele não aceitar pagar a taxa, é só ir à assembleia e votar contra — afirma o ministro ao GLOBO.
Marinho diz que a proposta ainda não chegou à Casa Civil, mas que tem apoio de Lula. A ideia é apresentar o projeto ao presidente até o fim de agosto. Lula já defendeu publicamente um novo modelo de contribuição sindical.
As centrais sindicais explicam que toda vez que uma lista de reivindicações trabalhistas for colocada na mesa de negociação, um dos pontos será a contribuição sindical. Juntamente com os debates sobre percentual de aumento dos salários, vale-refeição e demais direitos, será discutido um valor considerado ideal para o financiamento dos sindicatos.
Assim, como todos os pontos da proposta em negociação, a taxa sindical também entrará em votação. Se todos os itens da pauta forem aprovados, menos o valor da contribuição, o pacote do acordo cai, e a negociação recomeça. Portanto, reajustes salariais só se tornarão reais quando o valor de contribuição sindical para aquela rodada de debates for aceito e definido. Os dois pontos estarão vinculados.
— A assembleia vai definir se aprova ou não a contribuição sindical. Se a oposição for maioria, o processo volta e recomeça a negociação— diz o presidente da Força Sindical, Miguel Torres.
Custo para o trabalhador
Para José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio e economista-chefe da Genial Investimentos, a nova contribuição traria de volta, na prática, o imposto sindical obrigatório:
— Acho péssimo porque obriga o trabalhador a pagar algo que ele não escolheu. E aumenta o custo do trabalho, principalmente dos trabalhadores menos qualificados. Espero que não consigam aprovar no Congresso. Para ter uma contribuição deste tipo, é fundamental acabar com a unicidade sindical antes.
As negociações do Ministério do Trabalho começaram em abril. Um grupo de trabalho foi montado na pasta com a participação de representantes do governo, dos sindicatos trabalhistas e das confederações patronais. Nesta semana, mais uma reunião deve acontecer para finalizar o texto do projeto de lei.
Sob reserva, integrantes das entidades patronais avaliam que o valor estipulado pela minuta é muito alto e dizem que o direito do trabalhador se opor à nova contribuição precisa estar garantido. Mas afirmam que o debate deve avançar.
Os sindicalistas argumentam que o financiamento é parte essencial para manter o trabalho de base: deslocamento, material e reuniões, o que tem custos.
— A contribuição é para o fortalecimento desse movimento, para conseguir melhorar a vida dos trabalhadores — diz o presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah.
Pela proposta, dois terços do valor arrecadado seriam destinados aos sindicatos e o restante distribuído entre confederações e federações trabalhistas. De acordo com um levantamento do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística), o orçamento sindical proveniente da contribuição dos trabalhadores caiu de R$ 3,6 bilhões, em 2017, antes da reforma trabalhista, para R$ 68 milhões, em 2023, uma queda de 98%.
Regra para coibir abuso
O economista e professor da USP, José Pastore, pondera que a taxa precisa ser bem calibrada. Ele diz, no entanto, que não vê problema na cobrança de uma contribuição compulsória e que reconhece que o processo de negociação coletiva envolve custos.
— Caso prevaleça o teto de 1%, a nova contribuição pode quase quadruplicar em relação ao imposto obrigatório vigente antes da reforma. Antes, um trabalhador que ganhava R$ 3 mil mensais tinha de pagar R$ 100 ao ano, por exemplo. Com o novo teto, considerando o 13º salário, a remuneração anual pode chegar, em média, a R$ 39 mil, o que resultaria em uma contribuição sindical de R$ 390.
Para ele, será preciso ter regras claras para coibir abusos e definir critérios para evitar que as assembleias sejam manobradas.
— Definição de quórum, processo de decisão, se por maioria simples ou absoluta e participação, presencial e remota. Tudo isso precisa ser detalhado.
A proposta também prevê novas regras para os sindicatos, como mandatos de até quatro anos e obrigatoriedade de eleições. Há ainda incentivos à realização de acordos coletivos com abrangência nacional e formação de cooperativa de sindicatos. Uma ideia é criar órgão independente para tratar de questões sindicais, sem participação do Estado
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